AS BELAS IMAGENS
O livro CAMINHÃO DE MUDANÇA (Ed. Córrego, 2017), de JEANINE WILL, traz
no próprio título a chave de sua poética. Jeanine nasceu em Santa
Catarina e hoje vive em São Paulo. Este foi apenas um de seus muitos
deslocamentos territoriais.
A mudança a que se refere o título, contudo, é uma metáfora de geografias íntimas, oníricas. De percepções e perspectivas.
Se cada parte do livro é nomeada pelos objetos de uma casa, dispostos
em ordem alfabética (abajur, cadeira de balanço, geladeira, cama),
encerrados em sua materialidade, os poemas, ao contrário, são marcados
pelo intangível, pela delicadeza das belas imagens.
No primeiro
poema, sem título, do livro, temos um ritual de lento desnudamento
amoroso que se desenvolve num crescente jogo de luz e penumbra:
"deixa a tua máscara de lado
mergulha no azul deste quarto
queima teus lábios na ponta dos meus dedos
arranha tuas mãos nas minhas palavras
deita teu ouvido sobre este sussurro
pisa de leve na pista
abre teu zíper até a angustura
dança de costas pro abismo
mergulha no azul deste quarto
queima teus lábios na ponta dos meus dedos
arranha tuas mãos nas minhas palavras
deita teu ouvido sobre este sussurro
pisa de leve na pista
abre teu zíper até a angustura
dança de costas pro abismo
as sombras são apenas sóis introspectivos"
A ideia de movimento perpassa o itinerário poético de Jeanine Will, em
movimentos cautelosos, em tropeços de conquista e perda. Em alguns
poemas, o recurso da visualidade reforça a mensagem, como em
"Tinieblas":
"viver, viver, viver
que duros elos tem essa corrente!"
que duros elos tem essa corrente!"
As belas imagens se sucedem em cada poema:
"Partir é coisa que não tem sim" (em "Pósludio").
"A vida queima em pé como uma vela" (em "O peixe roubado").
"Os corpos estão tecendo a invenção do fogo" (em "Carta molhada").
E o que dizer de versos assim, do poema "A noite espia os homens pelos
seus olhos insones", verdadeira jóia já a partir do próprio título?
"mas a luz nem sempre é chama
a claridade muita vez só arde
no centro do silêncio da trama"
a claridade muita vez só arde
no centro do silêncio da trama"
A poesia de Jeanine Will se faz no tecer desse lento jogo de
claro-escuro, enquanto avança vida adentro. "Chego montada no dorso
amarelo do atraso", diz no poema "Tardança".
O caminhão de
mudança segue seu curso e nele o amor pontua como acontecimento, coisa
inaugural, como descrito no poema "Atividade de nuvens":
"amor é estréia na chuva
do esquecimento"
do esquecimento"
Ou é uma impossibilidade, como nos versos finais do poema "Lembranças
de não ficar juntos": "meu corpo é um abraço trancado no armário da
cidade".
As mudanças desarrumam, movem as coisas do lugar,
suscitam mais perguntas que respostas, e é este percurso da dúvida que
Jeanine Will logrou traduzir em boa poesia.
*Paulo Lima é jornalista e editor da revista eletrônica Balaio de Notícias. http://www.balaiodenoticias.com.br/
Mora em Brasília.
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